quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma nota para a Argentina

A notícia, a essa altura, já é de conhecimento geral. O passamento de Nestor Kirchner, que não é esse da foto, é um desses eventos que atestam uma verdade fundamental. Há coisas que só acontecem com a Argentina. Uma década depois do colapso econômico e político, o país, cujo cinema foi vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010, entra em rota de crise de identidade.

Atentai, leitores afoitos. Em rota de crise, ainda não é a crise, per se. Todavia, conforme indicam os analistas, é provável que agora a presidente efetivamente comece a governar. Isso porque os mesmos analistas são unânimes em dizer: Nestor Kirchner era o operador; a esposa, a testa de ferro. Algo que alguns políticos ensaiam em fazer em outras nações, malgrado o fato de a opinião pública rejeitar isso com veemência.

O que resta, afinal de contas, é esperar: até mesmo porque os eventos podem alterar o cenário polítco local, e, por que não?, mudar a balança de poder na América Latina. Já são dois os países que não mais comungam pela cartilha esquerdo-chavista. E a própria argentina agora pode seguir novo rumo. A conferir a rosa-dos-ventos.

Ah, o da foto é Carlos Gardel, pois sim!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Sobre os 10 anos do Digestivo Cultural

Já contei a história a seguir algumas vezes, uma delas no próprio Digestivo Cultural. Mas aqui vai um arrazoado, para quem estava fora das últimas vezes (e, na verdade, gosto de recordá-la de quando em vez). Enfim, em 2003, recém-formado, era redator júnior de uma provedora de conteúdo. Naquele tempo, as redes sociais ainda não tinham pegado; então, para quem ficava online o tempo todo, sobrava tempo para ler. E, agora não me recordo como, um dia caí no Digestivo Cultural. No primeiro semestre de 2003, os grandes nomes da primeira geração já tinham saído, exceto por Eduardo Carvalho, figura ímpar que você, leitor, precisa conhecer. Trata-se de um sujeito ilustrado, de conversa agradável e de sofisticação admirável. Um dia, aliás, vale a pena escrever sobre as conversas que já tivemos. Mas, enfim, o assunto é o Digestivo.

Vou prosseguir no próximo parágrafo.

 De volta, hoje confesso que passei um tempo tentando compreender o funcionamento do Digestivo. Não entendia, num primeiro momento, como é que se dava a periodicidade (para quem é de jornalismo tout court, como eu, tratava-se de uma questão fundamental); do mesmo modo que eu tentava assimilar os digestivos, textos que permanecem na primeira dobra da página. Acho, na verdade, que só fui entender quando passei a comentar as colunas. Era um comentarista contumaz, para falar a verdade. A propósito, ontem mesmo, enquanto lia a nova edição de Piauí, me vi descrito no perfil que Vanessa Bárbara faz do "louco de palestra", o sujeito que "começa querendo fazer uma colocação". Eu não queria fazer qualquer colocação. Na verdade, queria comentar o que lia no Digestivo e não aceitava. De uma hora para outra, passei a bater cartão no site, criticando colunistas como o Jardel Dias Cavalcanti, Daniel Rodrigues Aurélio e até mesmo o Julio Daio Borges, o editor. Sinceramente, não esperava ter qualquer feedback de meus textos. Mas foi o que aconteceu.

Certo dia, logo depois de um email alfinetando uma coluna do Jardel sobre o livro de João Gilberto Noll, recebi uma resposta do Julio. O editor me perguntou o que eu fazia e se gostaria de colaborar para com o site. Eu aceitei, de pronto, e publiquei um texto sobre o estado da arte no jornalismo cultural brasileiro, a saber: "Notas sobre jornalismo cultural". Alguns dias depois, o Julio me aceitou e me efetivou como colunista. Sobre o que escrever? Recebi, logo em seguida, uma caixa com vários livros: literatura, história, ciência política, crítica musical. Passei a resenha-los e descobri uma nova função, paralela, como leitor profissional. Até hoje, escrevo resenhas e devo boa parte de minha formação ao Digestivo Cultural.

Mas não é necessariamente por esse motivo que o Digestivo Cultural deve ser celebrado. Como também já escrevi em outras ocasiões, a riqueza deste veículo é a cultura de seus colaboradores (salve, Adam Smith). Afinal de contas, são algumas gerações de talentos, cujos expoentes mais recentes são Rafael Fernandes, Rafael Rodrigues, Guilherme Montana, para ficar naqueles com quem já conversei pessoalmente ou virtualmente. Poderia citar, sob pena de esquecer de alguém, tantos outros grandes colaboradores, como Diogo Salles, Rafael Fernandes, Eduardo Mineo, Daniela Sandler, Ricardo de Mattos, Jonas Lopes, Andrea Trompcynski, Ram Rajagopal, Adriana Baggio e a lista poderia seguir infinitamente. Além destes, de quem fui e sou leitor, há Luis Eduardo Matta, escritor de talento cuja conversa é, a um só tempo, divertida e sofisticada. Diferentemente de certas publicações, aqui também há o espaço para o contraditório. Assim, já discuti acirradamente com Guga Schultze e Pilar Fazito, para não mencionar a mais prolífica autora do Digestivo, a contundente Ana Elisa Ribeiro, desta última, particularmente, adoro discordar. Acho que a definição foi do já mencionado Daniel Aurélio: no DC, divergimos de forma a exercer a esgrima intelectual, sem cair para a barbárie dos blogs e da discussão rasteira. E, talvez por isso, o veículo sobreviveu.

Hoje, em 2010, procuro, sempre que possível, escrever para o Digestivo, muito embora o tempo esteja cada vez mais rarefeito, mas nem de longe deixei de ler as colunas e as notas. Por isso, vida longa ao Digestivo Cultural! Cheers!

Uma Pintura às Sextas - Goya