terça-feira, 20 de maio de 2008

Sobre os cretinos fundamentais e a idiotia da objetividade

De cara, já explico. Esse texto era para ser menos convulsivo e mais reflexivo. Mais racional e menos passional. Mais estruturado e menos fragmentado. Não consegui. E a razão para tanto é que, a despeito de prezar pelo Discurso do Método, uma obra-prima do pensamento de Descartes, não sou um idiota da objetividade. E, como é sobre eles que trato neste post, não posso repetir um de seus motores: o fundamentalismo da racionalidade. Falo mais adiante sobre isso. Antes, porém, cumpre escrever sobre o significado da idiotia da objetividade.

O termo foi cunhado pelo genial Nelson Rodrigues. Para o autor de "Senhora dos Afogados", o idiota da Objetividade é o sujeto "impotente do sentimento". Ou seja, o fulano que é incapaz de se tocar por algum fato, por mais abjeto que seja, em nome da suposta objetividade, por uma vislumbrada isonomia das partes, tornando cerimonial uma discussão que deveria ser apenas uma discussão. E, com isso, vemos inúmeras pessoas, das mais variadas matrizes sociais, desejando a objetividade como se esta fosse um salva-guarda da razão em tempos de barbárie. Nelson Rodrigues, ao contrário, enxergava na objetividade a aniquilação das sensações, como se, efetivamente, as pessoas se tornassem menos humanas à medida que se transformavam em objetivas e tudo mais.

Nelson Rodrigues considerava o copy-desk - o jornalista que reescrevia os textos para um formato mais, digamos, preciso ou ao estilo do veículo para o qual trabalhava - a figura-chave para entendermos como o mundo se tornou mais "objetivo". Nas palavras do dramaturgo, se aparacesse um Proust, com seu estilo retumbante e aterrador, lá estaria um copy-desk para lhe pontuar os períodos, diminuir os parágrafos, e cortar os adjetivos. Dirão alguns que Graciliano Ramos escreveu que escrever é cortar palavras. Sim, é verdade, mas quem lê Memórias do Cárcere, sabe que o autor do fundamental Vidas Secas não poupava nas sensações e no relato impressionista. Eis o que deseja o copy-desk: os fatos, como se estes essencialmente existissem ou sobrepesassem num relato, qualquer que seja. Da mesma forma, para o idiota da objetividade, é possível contar uma história de forma imparcial, sendo direto e, sobremaneira, preocupando-se apenas com os fatos.

Daí que, finalmente, chegamos ao idiota da objetividade a que me refiro neste texto. Trata-se do jornalista de grande jornal que, acostumado que está com a precariedade dos relatos que lhe soam como brilhantes peças de redação jornalística, pressupões que ninguém mais deve escrever de forma não objetiva. Isto é, qualquer relato, diz o idiota, necessita cumprir as regras dentro do código da objetividade que, em linhas gerais, pode ser sintetizado pelo Manual de Redação. Triste, mas verdade: o idiota da objetividade, tal como um cretino fundamental, defende uma idéia estapafúrdia como se fosse uma tese genial. Por isso, nem percebe os absurdos que profere como se fosse douto de toda a ciência e da razão da objetividade.

Nessa guinada quase medieval, esse cretino fundamental --- soberbo na ignorância das outras histórias que são contadas enquanto ele tenta dar objetividade ao universo, com sua gramática sem estilo e suas intervenções pseudo-sarcásticas --- sequer cogita a possibilidade de um parágrafo extenso, com vírgulas, elipses, travessão, diálogo, trecho de cinema, recursos que estão fora de moda, é verdade, mas que, definitivamente fogem à regra da objetividade. Até porque se, conceitualmente, ela é inconcebível, de que adianta emula-la num exercício de estilo ou mistificação?

Enquanto você, bravo leitor, que até aqui chegou na tenta responder o dilema aí acima, eu me vou, sem antes assumir que, sim, este texto até pode carecer de certa organização formal, mas, jamais, eu repito, jamais, poderá ser enquadrada sob a ofuscada lente da objetividade. Nunca. Até porque é preciso ser bastante obtuso para ter tal pretensão.