segunda-feira, 26 de maio de 2008

Punk music e azeitonas

Aproveitei bem meu tempo livre. Além de dormir e descansar bastante durante esse chamado “último feriado do ano”, fiz um programa cultural. Fui ao teatro. Dei um pulinho ali na Rua Augusta, a queridinha dos descolados de São Paulo.

Se rir faz mesmo bem, eu devo estar na minha melhor forma, porque a peça “A festa de Abigaiu” (texto do inglês Mike Leigh) realmente cumpre o que promete quando classificada como “comédia”.

Devo confessar que vou bem menos ao teatro do que gostaria, então não posso nem dizer se os atores são ou não conhecidos do ramo, mas que eu dei boas risadas que conseguiram de mim extrair uma lágrima e dores abdominais, isso eu dei!

A peça foi originalmente produzida para o 11º Cultura Inglesa Festival e parece que colou, porque até o prêmio de melhor peça de teatro adulto ela levou.

A história se passa na sala de Beverly e Lawrence na Londres de 77. O casal recebe a visita de Angela e Tony que mudaram-se para a vizinhança há pouco tempo e de Susan, mãe da adolescente punk Abigaiu.

Conversa vai, constrangimento vem e a vergonha alheia (no bom sentido) rola solta! Aos leitores que se empolgarem com essa breve descrição peço para que reparem bem nas colocações de Lawrence que indicam críticas ao consumo de massa e à perda de “refinamento”. Todas dotadas de inegável humor negro.

Gostando ou não de azeitonas, a dica está dada. Só me obrigo a dizer que por se tratar de uma peça que se passa em Londres, nos anos 70, e adaptada para um festival da Cultura Inglesa, me causaria estranheza se não terminasse ao som de Sex Pistols...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Epitáfio

Reinaldo Azevedo e Pedro Doria, dois dos blogueiros-jornalistas mais lidos e influentes da internet brasileira, raramente concordam sobre alguma coisa. De forma não tão declarada, ambos, de certa forma, representam a figura do conservador e a do liberal. O primeiro coloca sua pena a serviço das causas dadas como perdidas no debate de idéias. É ele, Reinaldo, o outro lado de uma conversa frequentemente enviesada. Já Pedro Doria representa uma lufada de ar novo na discussão política brasileira, em especial se se imaginar daqueles que preferem debater idéias a buscar ecos favoráveis às suas teses. Nesse sentido, pode-se discordar de Pedro Doria, mas é inegável que ele realiza um trabalho jornalístico que poucos fazem na internet, ainda que esteja, quase sempre, mais à esquerda no debate intelectual.

Tudo isso para dizer que os dois, que sempre discordam em quase tudo, entraram em acordo, obviamente não declarado, a respeito da última mensagem sobre o senador Jéfferson Peres, que morreu na manhã desta sexta-feira (23) em Manaus. Sobre ele, Doria escreveu: "Poucas pessoas farão tanta falta ao Senado quanto Jefferson Peres fará." Já Azevedo vai além e presta uma interessante homenagem ao senador: posta um poderoso discurso do senador, dessas pérolas que só a verve política pode produzir. A certa altura, Péres desnuda a lógica política do Brasil, quando comenta a postura da classe intelectual do país, que, naquele momento, agia de forma cínica com seu apoio ao governo. Enfim, os textos valem a leitura, e o discurso de Péres mostra um pouco de como o Brasil poderia ter sido.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

O Aprendiz e o triunfo da picaretagem

Os picaretas dominaram o mundo. Isso é um fato inabalável. Tão certo que até mesmo o mundo mineral já sabe disso, como Mino Carta gosta de enfatizar em seus editoriais na revista CartaCapital. Mas o assunto desta mensagem não é jornalística, tampouco do mundo mineral. Escrevo esse texto, basicamente, porque acabo de assistir ao programa O Aprendiz 5, na TV Record. Pelo que se vê na atração, não só os picaretas dominaram o mundo como agora seu besteirol travestido com roupagem sofisticada ganhou as telas e, ao que parece, o coração e mente da audiência do programa da Rede Record. Segundo mostram os números oficiais, não é pouca coisa.

Há que se entender como isso pode acontecer. Sim, o programa faz sucesso, dizem os especialistas, porque as pessoas gostam, grosso modo, de assistir a Reality Shows. Talvez esta seja a principal diferença entre a geração X e a geração Y. A primeira não era lá tão culta, mas tinha certo berço, certa, como dizem?, noção entre o que é bom e o que é ruim. Simples assim. Já a segunda de forma simplória ignora as referências, a tradição, a cultura, os bons costumes, a ética e, confundindo o público e o privado, acredita que pode ser soberbo na sua ignorância essencialmente na frente dos outros. Para a primeira, a ignorância era um pecado a ser escondido com todas as forças. Para a segunda, ser desprovido de intelecto é o que há! Até poucos anos atrás, quem assistia a novela era execrado, pura e simplesmente. Hoje, se você não assiste, está fora até mesmo dos "conhecimentos gerais" de um concurso público. Se o mundo mudou? Só se for para pior.

Divaguei um pouco, mas é necessário. Volto ao tema. O sucesso de O Aprendiz é inegável porque a TV, hoje em dia, cumpre, assim dizem os especialistas, um papel auxiliar na formação dos jovens. Até certo ponto, eu discordo dessa tese. Contudo, agora, por exemplo, para fazer meu argumento valer, sou obrigado a concordar. Na Televisão, os olimpianos (leia Morin, leia) encontram na imagem o significado para suas angústias e frustrações. Desse modo, não só a imagem possui um valor de verdade fundametal, como também a sua representatividade e, quiçá respeitabilidade, é enorme. Não é de se estranhar, portanto, que um programa que diz para esses sujeitos de que forma eles devem se comportar em reuniões de trabalho conte com amparo. O meu espanto, e aqui é que são elas, reside no fato de que existe certa concordância junto à certa camada esclarecida (veja bem, os esclarecidos) de que o programa cumpre com uma missão importante, algo como dando dicas de busisness - como se, ao assistir à atração, as pessoas fossem melhorar no ambiente do trabalho. Nada poderia ser mais enganoso. Ainda assim, começo a imaginar, não sem certo riso e melancolia, da classe C almejando o mundo dos negócios para ter aquele tipo de comportamento.

Outro elemento pouco lembrado do programa é o merchandising. Chega a ser constrangedor ver os participantes manuseando produtos obrigatoriamente indicados pela produção. Por associação, também começo na audiência na tentativa desesperada de emular esses padrões de consumo. Será que a Classe C aguenta a bronca? Eu aposto que não. Quando a inflação chegar, ou a farra do crédito acabar, me avisem. Enquanto isso, os competidores agem conforme a música. Maquiavel e o seu Príncipe não dariam conta de tamanha arte de dissimulação. Se a leitura dessa turma é mesmo livro de auto-ajuda, o componente central desse tipo de literatura, com efeito, deve ser o sentido de sobrevivência. Em outras palavras, as pessoas são capazes de qualquer estratagema para conseguir colocar a mão em 2 milhas de reais. Ética é para filósofos, disse certa feita um dirigente de futebol.

A picaretam solapa a razão ou a fé por um mundo melhor quando se percebe que as pessoas realmente acreditam que determinado comportamento midiático serve como padrão. Nesse sentido, O Aprendiz é atração que apenas doura a pílula no telespectador, que, por sua vez, sai com a impressão de que, sim, este programa me ajudará a ter uma vida bem sucedida. Só com muita ingenuidade dá para acreditar em picaretas com pedigree daquele porte. É, sem dúvida, um palpite infeliz.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Sobre os cretinos fundamentais e a idiotia da objetividade

De cara, já explico. Esse texto era para ser menos convulsivo e mais reflexivo. Mais racional e menos passional. Mais estruturado e menos fragmentado. Não consegui. E a razão para tanto é que, a despeito de prezar pelo Discurso do Método, uma obra-prima do pensamento de Descartes, não sou um idiota da objetividade. E, como é sobre eles que trato neste post, não posso repetir um de seus motores: o fundamentalismo da racionalidade. Falo mais adiante sobre isso. Antes, porém, cumpre escrever sobre o significado da idiotia da objetividade.

O termo foi cunhado pelo genial Nelson Rodrigues. Para o autor de "Senhora dos Afogados", o idiota da Objetividade é o sujeto "impotente do sentimento". Ou seja, o fulano que é incapaz de se tocar por algum fato, por mais abjeto que seja, em nome da suposta objetividade, por uma vislumbrada isonomia das partes, tornando cerimonial uma discussão que deveria ser apenas uma discussão. E, com isso, vemos inúmeras pessoas, das mais variadas matrizes sociais, desejando a objetividade como se esta fosse um salva-guarda da razão em tempos de barbárie. Nelson Rodrigues, ao contrário, enxergava na objetividade a aniquilação das sensações, como se, efetivamente, as pessoas se tornassem menos humanas à medida que se transformavam em objetivas e tudo mais.

Nelson Rodrigues considerava o copy-desk - o jornalista que reescrevia os textos para um formato mais, digamos, preciso ou ao estilo do veículo para o qual trabalhava - a figura-chave para entendermos como o mundo se tornou mais "objetivo". Nas palavras do dramaturgo, se aparacesse um Proust, com seu estilo retumbante e aterrador, lá estaria um copy-desk para lhe pontuar os períodos, diminuir os parágrafos, e cortar os adjetivos. Dirão alguns que Graciliano Ramos escreveu que escrever é cortar palavras. Sim, é verdade, mas quem lê Memórias do Cárcere, sabe que o autor do fundamental Vidas Secas não poupava nas sensações e no relato impressionista. Eis o que deseja o copy-desk: os fatos, como se estes essencialmente existissem ou sobrepesassem num relato, qualquer que seja. Da mesma forma, para o idiota da objetividade, é possível contar uma história de forma imparcial, sendo direto e, sobremaneira, preocupando-se apenas com os fatos.

Daí que, finalmente, chegamos ao idiota da objetividade a que me refiro neste texto. Trata-se do jornalista de grande jornal que, acostumado que está com a precariedade dos relatos que lhe soam como brilhantes peças de redação jornalística, pressupões que ninguém mais deve escrever de forma não objetiva. Isto é, qualquer relato, diz o idiota, necessita cumprir as regras dentro do código da objetividade que, em linhas gerais, pode ser sintetizado pelo Manual de Redação. Triste, mas verdade: o idiota da objetividade, tal como um cretino fundamental, defende uma idéia estapafúrdia como se fosse uma tese genial. Por isso, nem percebe os absurdos que profere como se fosse douto de toda a ciência e da razão da objetividade.

Nessa guinada quase medieval, esse cretino fundamental --- soberbo na ignorância das outras histórias que são contadas enquanto ele tenta dar objetividade ao universo, com sua gramática sem estilo e suas intervenções pseudo-sarcásticas --- sequer cogita a possibilidade de um parágrafo extenso, com vírgulas, elipses, travessão, diálogo, trecho de cinema, recursos que estão fora de moda, é verdade, mas que, definitivamente fogem à regra da objetividade. Até porque se, conceitualmente, ela é inconcebível, de que adianta emula-la num exercício de estilo ou mistificação?

Enquanto você, bravo leitor, que até aqui chegou na tenta responder o dilema aí acima, eu me vou, sem antes assumir que, sim, este texto até pode carecer de certa organização formal, mas, jamais, eu repito, jamais, poderá ser enquadrada sob a ofuscada lente da objetividade. Nunca. Até porque é preciso ser bastante obtuso para ter tal pretensão.

domingo, 18 de maio de 2008

Desculpe a poeira, leitor

Pfuuuuuuuuuuuuuu. Não se assuste com os meus dotes (êpa, ôpa) onomatopéicos, raro leitor. É que cá estava eu assoprando a poeira deste espaço há muito não utilizado. Se bem que só mesmo na internet que nove dias, data da última postagem, significa alguma coisa. Para quem acompanha os espaços eletrônicos, é o tempo de uma vida, mas cá já estou divagando. Tenho de explicar os motivos de minha ausência? Melhor não. Caetano Veloso, o mesmo que agora canta a música do tapinha, já disse: o mundo não é chato, mas eu discordo dele nesse ponto. Afinal, são tantas coisas a fazer, em especial o trabalho, que já faz com que nos preocupemos demais para ter uma atividade diletante de qualidade, como é o exercício de flanar pelas telas (muito melhor do que escrever "blogar"). Enfim, é mais uma mensagem de desabafo e de aviso. Que fique bem claro: este blog não acabou, apenas os redatores estão, digamos, atarefados. Idéias é que não faltam. Eu mesmo vi umas duas ou três exposições sobre as quais pretendo escrever, para além de um texto, que já reputo fundamental, sobre os idiotas da objetividade. Com fé, tudo sai. E se você é homem de pouca fé, bem, tão somente espere.

A propósito do título desse post, cumpre indicar a leitura fundamental do blog de Ricardo Lombardi, outrora independente, agora no Ig, de casa nova! Vale a leitura.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Alimento da Alma

Falando em comida, o que alimenta o seu espírito?

Domingo passado (04 de maio) fui assistir o espetáculo “Alegría” do Cirque du Soleil. Indescritível seria um adjetivo pertinente, mas aqui essa palavra não cabe, já que eu resolvi escrever a respeito.

Se você perguntar o que eu mais gostei, eu direi que o que mais me impressionou foi ver o corpo humano ser controlado e usado como um mero instrumento.

Não foi a primeira vez que assisti algo da trupe. Vi o “Saltimbanco”, mas confesso que havia me esquecido do quanto esses artistas têm domínio completo dessa máquina que nos leva.

Tudo combina nesse show. A música, as máscaras, os rostos, os números e os próprios corpos musculosos ou os longelineos. Um simples número com bambolês torna-se mágico. Alimenta a alma.

Até a hora que você sai da arena é especial. Depois de aplaudir tanto que as suas palmas até ardem, você é aplaudido por aquelas pessoas “normais” que ficam atrás dos balcões durante todos os números vendendo pipocas e refrigerantes. Alimenta o ego.

Ano que vem estarei lá novamente. Qual será o espetáculo, ainda não sei. Sei que matarei a fome de viver, a fome das cores, a fome dos sons, a fome dos risos. As fomes...

Vontade de comer

Junte a fome à vontade de comer. Sim, gula total. Nessas horas tudo o que precisamos é de um prato de comida, lanche ou petisco que nos satisfaça.

A comida tem que ser saborosa. Prazerosa.

Eu sou o tipo de pessoa que tem desejos alimentares complexos e tão complexos que às vezes não consigo nem identifica-los. Hoje foi um desses dias.

A fome que me devorava era enorme. Até minha cabeça dava sinais de fraqueza. Eis que chega minha hora de almoçar... será que você leitor imagina o que aconteceu?

--- Cheguei em um restaurante fantástico, pedi um wrap de rosbife com queijos diversos, azeitonas e tomates temperados --- Ficou com água na boca? Não fique.

Nesse momento não consigo nem fomentar essa fantasia. Sim, fantasia. Minha decepção foi imensurável. Os ingredientes do wrap eram esses mesmos, mas o queijo era tanto que minha comida ficou com gosto de pizza de mussarela de ontem e olha que isso eu tinha na minha geladeira! O pão estava seco e os tomates não estavam nada temperados.

Eu comi. Matei a fome, mas não a vontade de comer. O resultado disso não foi agradável: mal-humor generalizado. E eu nem sou uma pessoa tão exigente assim. Adoro comer em padarias, botecos e afins, mas não pense que são só os lugares finos que me apetecem. Um “PF” de cinco Reais também me agrada muito, desde que tenha GOSTO.

Gosto de pensar que a comida de cada dia deve ser maravilhosa. Devemos aproveitar esse momento sempre que possível. Em alguns casos não é possível fazer do almoço um banquete, o que é a minha situação, então eu já sei o que devo fazer: sem novas experiências... terei que optar pelas delícias já conhecidas para não ter como companhia no espelho uma cara “enfezada”!

sábado, 3 de maio de 2008

A vida é uma tragédia, ensina Woody Allen

O filme é O Sonho de Cassandra, dirigido, como se lê no título deste texto, por Woody Allen, o cineasta que mesmo quando faz um filme abaixo da média a gente - no caso, eu - cria uma estratégia diversionista para mudar o foco da discussão, tal como o técnico do Palmeiras faz quando seu time é goleado pelo campeão pernambucano. Spin. Uma dia você aprende, incrédulo leitor, e pára de acreditar em tudo que lê. Eu, de minha parte, divago; portanto, volto ao filme no próximo parágrafo.

Os cadernos culturais insistiram na informação mais objetiva, se assim se pode dizer: trata-se do terceiro filme de Woody Allen em Londres --- algo bastante significativo, escrevem, posto que o diretor a-do-ra-va filmar em Nova York. Mudou o cineasta ou os tempos mudaram? Enquanto os críticos e os jornalistas tergivesam sobre a resposta, Woody Allen segue realizando filmes mais competentes quando assume um tom mais grave, tal como já ocorreu em Crimes e Pecados - "o melhor dele", disse Daniel Piza - ou quando o diretor fez Hannah e Suas Irmãs, este premiado pelo Oscar, ou mais recentemente, no retumbante e fabuloso - à falta de adjetivos mais precisos - Match Point. A lista poderia continuar até mesmo porque, conforme repetem as publicações, Allen se mantém ativo realizando ao menos um filme por ano. De novo, esqueci de falar da obra. Tentarei no próximo parágrafo.

A história deste trata de dois irmãos, interpretados por Ewan McGregor e Colin Farell, que se metem em uma enrascada para escapar de suas enrascadas particulares. De um lado, um beberrão apostador que a todos deve dinheiro; de outro, um aspirante a alguma coisa importante na sociedade de consumo, no mercado de status. A Allen-girl, desta vez, é a bela Hayley Atwell, que consegue mover a cabeça de um dos personagens, mas, desta vez, o trágico está no sentimento de culpa que resta mesmo naqueles que aparentemente se esqueceram de suas consciências. Pois se é verdade que vivemos num mundo em que "Deus é um delírio" ou "Deus não é grande", conforme pregam respectivamente o biólogo Richard Dawkins e o jornalista Cristopher Hitchens, por que é que a culpa, ao final, sempre aparece? Uma pergunta que fica sem resposta, a despeito das muitas hipóteses existentes.

O fato, no entanto, é que o filme de Allen aposta nessa questão e nos dilemas morais: até onde é possível caminhar "without crossing the line"? Um dos personagens arrisca que só na hora é que se sabe. De todo modo, a covardia e a fraqueza podem não aparecer no momento-chave, mas muitas vezes dão as caras quando o estrago já foi feito. E aí, como diz um personagem, não há como voltar atrás. E agora que escrevo sobre o filme, uma outra obra me vem à cabeça: "Festim Diabólico", de Alfred Hitchcock, problematiza, como dizem os acadêmicos, situação semelhante, muito embora com uma sofisticação um tanto mais aguçada, além de a película de Hitchcock não ter necessariamente uma tensão insolúvel para desencadear a história.

Um outro elemento assaz delicado da trama de Woody Allen é a música que envolve o filme. Há alguns anos, a revista Veja, em um daqueles infográficos feitos para serem engraçadinhos, disse que um filme de Woody Allen é reconhecível de longe porque a música é um jazz tradicional. Tal condição pode ter sido verdade factual ao longo da década de 1990, quando o diretor abusou de Gershiwn, Duke Ellington, entre outras referências que lhe tocam a educação sentimental. Entretanto, como escreveu certa feita o economista John Maynard Keynes, os fatos mudam. Neste caso, a trilha vigorosa é assinada por Philip Glass, que, entre outras, é responsável pelas turbulentas sequências de As Horas, filme vencedor do Oscar em 2003. O resultado é acima da média, sobretudo porque as cenas centrais são marcadas pelo toque sensível, mas que não deixa de assinalar o trágico.

Evidentemente, este texto é de alguém que aprecia a obra de Woody Allen, alguém que considera o diretor um dos grandes do cinema que, ainda vivos, resistem em produzir cinema na era do BitTorrent - o que, diga-se, é um feito. A propósito, ainda hoje, antes de ver o filme, li uma nota no guia da Folha, dizendo que o filme, ruim, "seria cômico se não fosse trágico". A frase é uma boa gag, mas este Sonho de Cassandra vale muito mais que uma boa piada pronta.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Museu da Língua Portuguesa

Tendo ficado alguns dias sem escrever para este blog, os assuntos abundam. Escolha o tema, caro leitor: política (a aprovação recorde de Lula no segundo mandato); economia (a reclassificação do Brasil como país confiável, de acordo com as agências internacionais); cultura (para além do rescaldo da Virada Cultural, há Cannes, que começa já, já, com dois filmes nacionais com grande destaque internacional, Linha de Passe, de Walter Salles; e Blindness, de Fernando Meirelles); esporte (X Games, vitória das equipes brasileiras na Libertadores); celebridades.... não, não vou escrever sobre aquele caso. Que os leitores se refestelem em outra vizihança. Como diria o outro: aqui não, violão!.

O tema que motiva mais um texto neste blog é o Museu da Língua Portuguesa, o qual tive a oportunidade de visitar neste feriado de Dia do Trabalho. Chegando lá, logo vi que o local recebe um público bastante variado, fazendo valer, desde a entrada, sua proposta de fazer com que as pessoas tenham contato com o idioma, a língua portuguesa, tão maltratada na internet e alhures --- ainda que conte com o respaldo de delinquentes que insistem em dizer que o importante é a representação, a significação e, pasmem, a funcionalidade do idioma. Se é que é possível travar a disputa nesses termos: pelo ensino e pela popularização da língua portuguesa, há uma espécie de embate entre Pasquale Cipro Neto e Marcos Bagno.

É essa proposta delinquente, aliás, que macula o bom princípio do Museu da Língua Portuguesa: como? Simples, caro e interessado leitor: no momento da apresentação multimídia sobre o idioma, cujo ponto alto é a figuração, aqui e acolá, de grandes nomes da cultura e literatura brasileira, outros nomes, bem menos importantes e interessantes, estão lá, lado a lado, dando a falsa impressão de que, sim, todos são importantes, porque o mais válido, nesse casos, não é a versão unilateral, elitista, do idioma, mas, sim, de uma língua portuguesa de todos para todos. Desse modo, a certa altura, ouvimos os poemas de Fernando Pessoa, Manoel Bandeira; a prosa rica na assertiva de Nelson Rodrigues, bem como na descrição pedregosa de Euclydes da Cunha; para, depois, ouvirmos um poema interpretado por um rapper (me recuso a transcrever seu nome aqui) e, o que me causou mais enjôo, o repente de Caju e Castanha. Essa combinação, obviamente, não poderia terminar bem, mas é essa mistura que o Museu da Língua Portuguesa na doença do inclusionismo quer fazer figurar.