terça-feira, 24 de junho de 2008

V de Vingança (e uma Epifania)

Vez por outra, tenho epifanias. E o que são essas epifanias? Ora, são insights que aguçam os sentidos e revelam o que está diante dos meus olhos. Preste atenção na escolha dos verbos: revelar, e não mostrar. Ontem, após exaustiva jornada de trabalho, liguei a TV louco pela SOMA. Não me entenda errado, malicioso leitor. Sou avesso às drogas e às substâncias etílicas. Ainda assim, foi quando aconteceu. Na TV, mais uma vez, o canal Cinemax reprisava V for Vendetta, película cujas palavras de ordem soam fora de moda nesses tempos de política vazia. E o admirável mundo novo que se abriu diante da portas da percepção permanece indizível graças à minha gramática pobre. Alguma coisa aconteceu em meu coração quando vi o mascarado pedir à personagem de Natalie Portman a dança antes da revolução. A música de fundo era "Cry me a river". E a epifania foi a seguinte: só em uma época como essa, quando os corações de pedra foram substituídos por cópias de isopor fabricadas na China capitalista-comunista, cenas como essas passam incólumes, sem que nada se mova, sem que ninguém comente.

Em outras palavras, eis o significado: a insensibilidade não é a causa, mas o sintoma mais grave daquilo que, como sociedade, temos sentido. Há algum tempo, em uma de suas brilhantes colunas para o Estado de S.Paulo, que depois foi reproduzida no Digestivo Cultural, Sérgio Augusto acusou: não foi Orwell quem acertou com 1984, mas, sim, Aldous Huxley com Admirável mundo novo. É a soma, e não o grande irmão, a provável causa de nossa apatia. Queremos mudar o mundo, mas somos individualistas demais para nos sensibilizar de forma coletiva. Sob outra perspectiva, Clóvis Rossi, na Folha de S.Paulo, toca no mesmo tema na sua coluna de hoje (24.6.2008): "alguém aí acredita que uma fatia ponderável da humanidade aceitará deixar de comer morango 12 meses por ano (e morango é apenas um símbolo de todo o resto) em plena era do triunfo do individualismo?" A pergunta, porque todos sabem a resposta, acerta o ponto, mas ninguém ousa sair do lugar.