segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A TV dos Manos e Minas


Parece que a TV Cultura, a tevê que ninguém vê, vai estrear nova programação em breve. Causou muita celeuma, aliás, a presença de João Sayad à frente da instituição, posto que, desde a sua chegada, as palavras mais mencionadas pelo economista e dublê de gestor de TV Pública têm sido “cortes”, “reestruturação”; “cancelamento”, entre outras que remetem ao campo semântico da demissão, provocando gritos e sussurros de indignação na classe média mais lida e intelectualizada.
A propósito disso, e para não repetir outras análises interessantes sobre o tema, talvez seja pertinente refletir na comoção que causou o anúncio do fim do programa “Manos e Minas”, que, segundo consta, visa a mostrar a chamada “cultura de periferia”. Já escrevi sobre esse engodo há uns dois anos, quando, por acaso, tive a oportunidade de assistir à atração (e, pelo andar da carruagem, é provável que volte a escrever a respeito dentro em breve). O que me move a escrever sobre o tema novamente é o artigo de Maria Rita Kehl, a psicanalista-letrada dos cadernos de cultura.
E o que escreve Maria Rita Kehl? Ora, num texto apaixonado e sofisticado a autora faz jus ao pensamento bem-pensante ora vigente. Em outras palavras, ela teme, e treme, pelo fim do espaço concedido à manifestação cultural da periferia e chega ao absurdo de comparar a extinção do programa às “desastradas políticas de limpeza da cracolândia”. Trata-se, evidentemente, de uma tática bastante comum a certo esquerdismo comparar alhos com bugalhos. O que chama a atenção é a hora e o momento dessa comparação. Como militante histórica do PT (deve ter feito parte do núcleo fundador do partido, como tantos outros intelectuais), escreve atirando na gestão do PSDB no Estado de São Paulo. E o curioso é que não apareceu ninguém para dizer que, por acaso, essa pode ser uma diretriz de ordem editorial da emissora, e não necessariamente uma política de “limpeza”. Como psicanalista, ela sabe que as palavras e as coisas têm lá seu valor, servindo bem ao discurso construído estruturalmente. Nesse sentido, Maria Rita quer é afirmar que essa limpeza acontece porque a gestão é do PSDB, sem se lembrar de que João Sayad fez parte das fileiras petistas .
Em outra, digamos, “ilustração” sem sentido, a psicanalista ataca a Sala São Paulo, comparando o público da TV com o público que freqüenta aquele espaço. Bom, como o texto deve ter sido encomendado, a autora não deve ter feito a lição de casa e procurado alguns números relacionados à audiência – do mesmo modo como deve freqüentar pouco o espaço onde acontece as apresentações da Osesp. Um fato: ninguém assiste à programação da TV Cultura, independente da programação. E isso, sim, é ruim, já que, se é verdade que os princípios da emissora não devem ser norteados pela audiência das emissoras comerciais, por outro, as atrações não devem desprezar o interesse público – o que não necessariamente é o interesse de um ou outro espectador, ainda mais se este for psicanalista.
A despeito do que escrevi, a essa altura a direção da emissora recuou ante o posicionamento dos formadores de opinião em relação ao “Manos e Minas”. Vejam, não houve necessariamente mobilização das periferias pelo retorno do programa, o que, isto sim, legitimaria o retorno da atração. O que aconteceu? Jornalistas, blogueiros, ativistas, twitteiros e, claro, psicanalistas – todos dando expediente de formadores de opinião – decidiram se revoltar com o fim do Programa. Acho que agora começo a entender: pelos índices de audiência do programa, estes devem ser o público mais fiel da atração.