quarta-feira, 9 de julho de 2008

Manos e Minas, na TV Cultura

Manos e Minas, atração da TV Cultura, propõe-se a ser um programa que dialoga com a cultura da periferia. Hummm. Nada poderia ser mais preconceituoso. Pois, se na televisão faltam afrodescendentes (daí a grita da turma da diversidade cultural), na atração da TV Cultura sobram personagens (o grifo é meu) dessa "minoria". Ocorre, no entanto, que ali existe precisamente a qualificação dos afrodescendentes como pertencentes a um gueto. Em outras palavras, o que há é a generalização de um grupo, como se todos os gatos, à noite, fossem efetivamente pardos. O ledo engano está, também, na determinação do gosto, como se os afrodescendentes, de um modo geral, todos se afeiçoassem a um só gênero musical - o RAP - e a um só tipo de discurso - o do confronto, eles contra nós -, sem qualquer imaginação, muito menos diversidade.



Enquanto isso, a segregação racial da classe prossegue. Não há afrodescendentes nos cargos dirigentes, e o movimento negro (por que ninguém chama "movimento afrodescendente"?) prefere disputar o espaço "político" nas telenovelas - quer que seus personagens sejam os mocinhos, e não os vilões - em vez de lidar com os temas efetivamente importantes. Por essa razão, a discussão sobre a identidade cultural permanece difusa, perdida no palavrório acadêmico da teoria crítica e dos "estudos culturais", uma das chagas do pós-modernismo que persiste no vazio de idéias no Brasil.



Manos e Minas, portanto, convém à proposta desse grupo mais acadêmico; todavia, não atende ao interesse que deveria ser geral, isto é: tirar os afrodescendentes dos guetos; sair, de fato, da periferia, e não trazer o centro à periferia, como quer Regina Casé. Desse modo, enquanto o debate estiver no plano dos "estudos culturais", sempre com aspas, os afrodescendentes permanecerão onde se deseja: como personagens de uma história que se repete como velhota sem cessar, com escreveu Eça de Queiroz. Afinal, o que seriam desses teóricos, se não houvesse o preconceito tal como ele é? Do jeito que está, perpetua-se a existência de minorias e, pior, a cristalização de um discurso como realidade - para manos e para minas.