quinta-feira, 29 de julho de 2010

Telejornalismo 2.0


Tem gente aos borbotões que fazendo crítica de mídia. Eu mesmo, bem à minha maneira, já escrevi um ou outro texto a esse respeito, polemizando acerca deste ou daquele veículo; espezinhando esta ou aquela cobertura; rechaçando este ou aquele programa. Posso dizer que isso não tem tanta repercussão se comparado a tratar de celebridades. Acredito, a propósito, que as próprias empresas jornalísticas pensam assim. Em vez da crítica de mídia, o negócio tem sido abrir espaço para um jornalismo que se aproxima do show, do espetáculo, do apelo da emoção em vez da razão.

Na televisão, esse tipo de show tem tido bom retorno em programas como "Profissão: Repórter", comandado pelo repórter Caco Barcellos, e, mais recentemente, por seu duplo, na TV Bandeirantes, "A Liga", sob a batuta do entretainer Rafinha Bastos. Tanto Bastos quanto Barcellos são homens de televisão. Conhecem e dominam o timing de TV, com carisma necessário para conduzir as histórias que são apresentadas. Ademais, ambas as atrações lidam com temas densos, buscando desconstruir as versões facilmente empurradas pelo padrão noticioso dos telejornalísticos; assim, ultrapassam a fronteira dos 2/3 minutos de reportagem. Outro ponto interessante: "A Liga" e "Profissão: Repórter" renovam a audiência das emissoras que os abrigam, posto que possuem um formato arrojado, com edição frenética e muito daquilo que ficou conhecido como "Jornalismo Gonzo". Na verdade, é aqui que está o que poderia ser classificado como maldição do jornalismo gonzo.

É preciso resgatar um pouco desse subgênero jornalístico. O pai da criança é Hunter Thompson, um jornalista que pertenceu à geração beat nos EUA e que, para tornar suas histórias mais fortes, não só presenciava o evento em questão como também participava da história, opinando em seus textos, algo que, até então, parecia estar impedido. Sim, o autor cruzou a linha e extravasou o "jornalismo literário". Thompson  foi tão longe que, até hoje, muitos se questionam se se pode realmente chamar o o gonzo style de jornalismo. A importância dessa dúvida se dá exatamente no caso de "Profissão: Repórter" e de "A Liga", uma vez que não sabemos até onde vai o jornalismo e até onde vai o reality show.

O reality show está na gramática dessas atrações. Tome-se como exemplo as atrações desta semana, quando o programa de Caco Barcellos tratou de garotos de programa, enquanto a trupe de Rafinha Bastos investigava a vida dos modelos. Note-se que existe um esforço, desde a sua apresentação, em transformar tais programas em algo, digamos, de conteúdo jornalístico. O mercado de TV sabe muito bem que jornalismo, per se, não dá altos índices de audiência (a não ser as exceções de sempre), mas, curiosamente, emprestam certa estima à programação, sobretudo ser for reportagem. Poucos são os que de fato produzem reportagem, até porque se trata de um tipo de conteúdo que demanda bastante dedicação, ênfase, disciplina. Além disso tudo, exige investimento que demora a dar retorno. Algo que os garotos céleres da geração Y não estão a fim de esperar. A ordem do jogo é a resposta imediata, em números, cliques e, sobretudo, cifras.

Mas estou me desviando da argumentação central. Os programas como os citados, com efeito, tomam emprestado não apenas a estima, mas a nomenclatura da reportagem. Todavia, a gramática dos programas pertence à ideia de espetáculo. É o espetáculo da notícia, uma vez que, já na seleção, aborda temas sensíveis; é espetáculo porque flerta com o grotesco, utilizando a justificativa de que a edição tornaria o programa artificial; é espetáculo porque, ainda no quesito edição, forja o verdadeiro a partir das imagens. Nesse ponto, por mais que tente ser um programa sem roteiro, cuja história é narrada de forma não-linear, a montagem tem um papel elementar na construção desses discursos.

A despeito disso, observa-se que esta é uma tendência irrevogável à noção de jornalismo atualmente. Embora os números, no Brasil, ainda sejam absolutamente favoráveis às emissoras de TV, existe a percepção de que esse império não durará para sempre. Talvez por alguns anos, enquanto a classe média ainda estiver alimentando seu sonho de ascensão social enquanto frequenta escolas e ganha preparo e acesso para acessar à internet. Nesse processo, a TV passará por adaptações, e o jornalismo que nela é veiculado será a ponta de lança desse processo. Assim, o jornalismo se transformará em entretenimento, unindo, portanto, esses dois conceitos por uma questão de sobrevivência do primeiro em favor da estima do segundo.