sexta-feira, 18 de abril de 2008

Contardo Calligaris, o queridinho dos bem-pensantes

De tempos em tempos, a sociedade bem-pensante (essa instituição que se assume, a um só tempo, como a reserva moral da inelectualidade e como guardiã da indignação) cria para si um porta-voz. Grosso modo, esse porta-voz acaba por verbalizar, posto que é um bem-pensante, os desejos, os anseios, os dramas, as palavras de ordem e, claro, a cultura de toda uma gente, que, é óbvio, se distingue do restante da choldra - um povo que insiste em manter o Brasil no atraso, que não lê o caderno "Mais", da Folha de S.Paulo, aos domingos, nunca foi ao show do Teatro Mágico, tampouco frequenta as filas do Espaço Unibanco de Cinema. Sim, os bem-pensantes arrotam cultura, mas insistem em ver TV ruim e, para elogiar o cinema nacional, necessitam de uma legitimação para não parecer Jeca --- porque, no fundo, não existe cidadão mais Jeca que o paulistano bem-pensante. Pois é nesse vácuo de poder representativo que entra em cena o colunista da Folha de S.Paulo Contardo Calligaris.

Calligaris, como sabem os bem-pensantes, é italiano, embora tenha vivido nos Estados Unidos um tempo. Psicanalista de profissão, há algum tempo escreve para a Folha de S.Paulo, notadamente o jornal dos bem-pensantes, dessa proto-elite que ama Lula, mas detesta os pobres ou, na sua variação mais recente, venera o pobrismo, mas detesta com fervor o presidente-torneiro mecânico. A coluna de Calligaris trata de uma miríade de assuntos ligados não somente ao seu campo de estudos ---- a mente humana, a psiquê, o comportamento --- como também versa sobre cultura, mais precisamente sobre livros, filmes e, às vezes, peças de teatro. O colunista, assim, ocupa no âmbito das idéias um espaço designado aos intelectuais que dialogam com o público. Faça um teste, resoluto leitor que acompanha esse texto até aqui, e verá: poucas pessoas lêem, com frequência, a coluna de Jânio de Freitas, mas na conversa do jantar no fim de semana haverá sempre alguém com um pensamento solto do psicanalista. Sinal dos tempos? Não, apenas uma constatação. entendam-me.

O problema, a meu ver, está na unanimidade em volta das pensatas de Calligaris. Não são poucos os que tão somente reproduzem suas idéias como se fossem insights repletos de descobertas fundamentais da alma humana. Mais do que absorvidas, as idéias expressas por Calligaris refletem o estado das coisas em se tratando de cultura no Brasil. Em outras palavras, não parece ao leitor bastante curioso que os bem-pensantes tenham escolhido como representante de suas idéias um psicanalista. "Talvez só ele dê conta, pensam os quase-intelectuais, de nossas frustrações, dilemas morais e fraquezas." A essa vontade louca de assistir o BBB, há a expectativa para que Calligaris ajude aos bem-pensantes a escaparem da fúria. Nesse sentido, o colunista é o proferido em bares e locais frequentados pela nata do produto intelectual bruto paulistano, endossando os programas, hábitos culturais e livros consumidos por esse público: se Calligaris comenta a respeito de um filme, mesmo que este seja ruim, de repente, a opinião de muita gente muda.

Em certa medida, Calligaris ocupa o espaço que já pertenceu a outros nomes: salvo as respectivas proporções e diferenças, Paulo Francis, Veríssimo, Arnaldo Jabor e até José Simão já foram representantes dos bem-pensantes. Por que foram? Ora, porque como este se trata um fenômeno do entretenimento, ainda que travestido de cultura, que tem sua data marcada pela efemeridade que é inerente aos meios de comunicação.

Talvez por isso, Calligaris tenha decidido que era hora de publicar um livro. Não mais uma coletânea de artigos. Trata-se, agora, de um romance, publicado pela Companhia das Letras, cujo título é O Conto do Amor. Curiosamente, das resenhas publicadas, uma, a da "Ilustrada", foi-lhe desfavorável. Pois para o espanto deste escrivinhador, caros leitores, houve quem defendesse o psicanalista italiano: Gerald Thomas, direto de NY, assinou uma pensata criticando o crítico. O que isso prova? Nada demais, apenas que jamais alguém pode falar mal de algo feito pelo queridinho da vez de um bem-pensante, como é esse o caso.