segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Elias Canetti e os escritores


Sobre os escritores, de Elias Canetti, não é o primeiro livro de um grande ensaísta sobre suas preferências literárias. Antes desse título, ora publicado pela editora José Olympio, outros autores, como Ítalo Calvino, Alberto Manguel, Michael Dirda já dissertaram amplamente acerca da escrita e, especificamente, de grandes nomes da literatura. Dessa maneira, não é necessariamente pela originalidade temática que obras como essa se destacam. A senha para entender o fascínio provocado por textos como o de Sobre os escritores passa pelo prazer das afinidades eletivas que une grandes nomes da literatura, assim como pela maneira como leitores mais experimentados atravessam textos clássicos.

Nesse aspecto, Elias Canetti mostra-se fiel às suas obsessões e, como leitor, identifica-se com autores como Franz Kafka e Karl Kraus. E não é apenas o estilo, mas o conjunto, a forma, o texto, denso, que faz com que, mesmo ao falar de outros escritores, Canetti resgate sempre aos seus autores prediletos. Aqui, existe certa aproximação com os leitores médios, que também contam com suas preferências literárias. A diferença, no entanto, é que, ao praticamente adotar Kafka como influência elementar, o autor passa os demais nomes da literatura universal, como Proust, Tolstoi e Dostoievski por um escrutínio bastante singular. Canetti parece não apenas ter utilizado essas leituras somente como passatempo ou fruição, mas, sim, como passagem de um processo mais amplo de formação intelectual, tomando, por isso, notas que nem sempre estão encadeadas, a despeito do esforço de apresentação do organizador, o crítico literário Ivo Barroso.

De mais a mais, é necessário entender que a escritura de Canetti, embora reveladora, não é necessariamente fácil, ao contrário do que exigem certos padrões médios da leitura planificada em tempos de twitter, facebook e demais mídias sociais. Canetti é um escritor denso mesmo em um pequeno grande livro como Sobre os escritores. Chama a atenção, aliás, o fato de que a tradutora, em um prefácio bastante simpático, vaticina os leitores acerca das dificuldades de transposição, uma espécie de instigante desafio intelectual para qualquer um que se aventure a transpor para a língua portuguesa um autor que conhecidamente pensa de forma bastante sofisticada. Claro está que, dependendo de quem o faz, tal constatação pode ser ruim. Todavia, no caso de Canetti, trata-se de um elogio, posto que o autor assinou Massa e Poder, obra central para o entendimento do significado e do sentido dos totalitarismos do século XX.

Em Sobre os escritores, Canetti faz uso de sua prosa densa, muitas vezes pedregosa, para estabelecer reflexões bem pontuadas sobre autores, mas, essencialmente, sobre a idéia da escrita. Ora em aforismos, ora em comentários mais aprofundados, Elias Canetti aponta que os caminhos para a interpretação literária nem sempre estão dados de antemão. É preciso, para além de ler, saber ler. Em Sobre os escritores, somos apresentados ao método do autor de Auto-de-fé sobre a experiência de leitura. A expectativa é que aprendamos um pouco.