quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Dois pitacos sobre a vitória de Dilma Rousseff

A essa altura, o leitor amigo já deve saber que Dilma Rousseff foi eleita presidente da República nas últimas eleições de 31 de outubro. Sobre o que será daqui para frente é melhor deixar para os futurólogos ou para os historiadores. É preciso observar que os resultados são excessivamente recentes para que se estabeleça uma análise fria, ou mesmo quente, dos fatos. Faltará precisão e sobrará impressão em qualquer análise determinista que se queira dar como "a verdade" ou, pior ainda, "a interpretação legítima" das eleições de outubro. Bom, se é para ser assim, por que escrever sobre as eleições? A resposta, estimado leitor, vem nos parágrafos a seguir.

Ocorre que as últimas eleições foram marcadas por um clima ímpar de acirramento do discurso. Trocando em miúdos, os militantes e, mais ainda, os protomilitantes na internet se refestalaram nos ataques ao longo do segundo turno e, pasmem, nas horas seguintes do resultado final. É como se, de fato, a caixa de pandora houvesse sido aberta, e os fantasmas, os medos e o terror do preconceito arraigado tivessem sido liberados de uma hora para outra. De repente, descobrimos, para o bem e para o mal, que a premissa da xenofobia não está tão longe assim do Brasil, país cuja dimensão é continental o suficiente para abarcar dois ou três países. Alguns analistas apressam-se a comentar que a tese de dois brasis não possui qualquer fundamento, sendo utilizada por sociólogos à cata de uma teoria que explica a eleição da candidata do PT. É preciso observar, no entanto, que essa agenda não foi disseminada por esse ou aquele partido, mas está aí, como na peça de Pirandello, à procura de um autor. Ninguém é pai da criança, mas existem falanges do ódio pronto a alimentar esse clima de horror.

Ok, alguns vão afirmar que exagero nas considerações. Talvez, sim. No entanto, é preciso ser um tanto mais alerta para questões que, de antemão, imaginávamos resolvidas. Se é verdade que o Brasil mudou, alguns grupos não necessariamente absorveram a mudança de forma tão esclarecida e tranquila assim. Há quem lute pelo reestabelecimento do que se poderia considerar "Antigo Regime". Desqualifica-los como conservadores ou reacionários é, simplesmente, não ter dimensão verdadeira das raízes do prencoceito de classe e de etnia. É, por demais, enxergar o Brasil como se fosse uma ilha, sem a tensão social que pode cindir o país, ainda que este cenário esteja, verdade seja dita, longe de acontecer.  Como presidente da República, Dilma Rousseff tem a missão de, para além de erradicar a pobreza absoluta, estabelecer um pacto social que seja aceito e respeitado não apenas pela nova classe média, mas, sobretudo, pela antiga classe média. De alguma forma, este grupo parece insatisfeito em dividir os bens de consumo (e de "cidadania privilegiada") com esse mais emergente.